Ondas de calor, inundações, estiagens severas, piora na qualidade do ar. Nos últimos anos, fenômenos relacionados às mudanças climáticas estão mais frequentes.
Da mesma maneira que é imprescindível se preparar para esses acontecimentos, também é necessário entender como podem afetar — e já estão afetando — a saúde humana.
“Ainda faltam bancos de dados confiáveis [sobre os efeitos das mudanças climáticas e saúde], de longo prazo, principalmente de regiões mais remotas do país”, diz Lis Leão, pesquisadora do Einstein e líder da linha de pesquisa institucional e-Natureza.
“Essa lacuna acontece porque estamos falando de um tema complexo e transdisciplinar. As mudanças climáticas afetam a saúde humana em questões relacionadas ao desenvolvimento econômico, migração populacional, infraestrutura de saúde, entre outras”, completa.
No começo do mês de abril, Lis comandou um bate-papo, durante o evento Einstein Frontiers, organizado pelo Einstein, justamente sobre o papel da inovação e das novas tecnologias no enfrentamento desses fenômenos.
Nesta entrevista à Eretz.bio, a pesquisadora explica a dificuldade de conseguir dados sobre o tema, destaca inovações que já estão surgindo e alerta para a necessidade de preparar tanto os profissionais de saúde quanto as estruturas existentes para o contexto climático. Confira.
ERETZ.BIO: No Einstein Frontiers, alguns palestrantes disseram que ainda há poucas conclusões sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde humana. Você concorda com essa avaliação?
Lis Leão: Sim, eu concordo! Embora saibamos que a elevação de temperatura e de poluição aumentam o risco de problemas respiratórios, cardiovasculares e de doenças transmitidas por vetores — além do estresse psicológico que vem sendo causado —, nós ainda desconhecemos como isso afeta grupos populacionais específicos, em regiões específicas, e como características culturais e ambientais influenciam nisso também.
Por que essa lacuna acontece?
LL: Essa lacuna acontece porque estamos falando de um tema complexo e transdisciplinar. As mudanças climáticas afetam a saúde humana de maneira multifacetada, que implicam em questões relacionadas ao desenvolvimento econômico, migração populacional, infraestrutura de saúde oferecida, ou seja, temos inúmeras variáveis que se relacionam com determinantes sociais de saúde, além das questões propriamente ambientais.
Ainda faltam bancos de dados confiáveis de longo prazo, principalmente de regiões mais remotas do país. Há uma grande oportunidade de desenvolvimento de modelos preditivos, mas, para tanto, bancos de dados/Big Data, tanto de saúde como de clima, são essenciais.
Um trabalho mais integrado que inclua a meteorologia, epidemiologia, ecologia e saúde pública, dentre outras, ainda precisa avançar também. Esse é um grande desafio.
Aproveitando a questão anterior, de quais maneiras as mudanças climáticas podem afetar a saúde humana?
LL: Além das que já mencionei, cabe destacar que alterações climáticas podem alterar não só a prevalência das doenças transmitidas por vetores, como também a sua sazonalidade, o que pode impactar de forma crítica os serviços de saúde para atender demandas não esperadas, sem falar no risco de epidemias ou de pandemias.
A disponibilidade e qualidade da água podem ser prejudicadas pelas inundações, com consequente aumento de doenças infecciosas. Outro aspecto importante é que podem impactar a produção de alimentos, levando a uma insegurança alimentar e problemas nutricionais.
Além disso, os eventos climáticos extremos não apenas causam ferimentos e perdas de vida diretamente, mas também têm efeitos em longo prazo sobre a saúde mental, sobre a infraestrutura de saúde, de moradia, de abastecimento, o que repercute nas condições de vida das pessoas afetadas.
Ainda falando sobre o Frontiers, um dos palestrantes, Ricardo Sodré, representou uma startup com foco em mudanças climáticas. Indo além da análise de dados meteorológicos (da atuação da empresa dele), quais campos você considera promissores para as climatechs?
LL: O monitoramento climático que eles realizam com enfoque na agricultura já pode ser utilizado para correlacionar com desfechos em saúde também. Temos discutido as possibilidades nesse sentido. Mas existe um vasto campo, como, por exemplo, monitoramento de emissões de carbono, sistemas de alerta para populações em risco de desastres climáticos, ou mesmo de eventos mais amenos, mas que interferem na saúde.
E de qual forma a inovação pode atuar em conjunto com os profissionais de saúde nesse contexto de mudanças climáticas?
LL: As mudanças climáticas caminham de mãos dadas com a saúde humana e, portanto, os profissionais de saúde também sempre estarão envolvidos nesse contexto.
A questão que se coloca é que ainda não estamos formando profissionais de saúde com currículos adequados para atuar nessas situações que demandam competência técnica, mas também emocional. Como tornar os serviços de saúde mais resilientes neste cenário é outra questão sobre a qual todos terão que refletir em busca de soluções adequadas e inovadoras.
Tem algum projeto que una tecnologia e inovação para o enfrentamento de mudanças climáticas que você considera promissor?
LL: Na área da educação, poderia citar o ClimateRX que fornece informações e orientações sobre formas de agir para que a população se prepare para os impactos das alterações climáticas e sobre como cuidar da saúde nesse cenário. É uma plataforma desenvolvida em parceria com a Alliance of Nurses for Healthy Environments, Kaiser Permanente, National League for Nursing, dentre outras instituições da área da saúde, e tem vasto material para os profissionais de saúde.
A educação é um caminho, mas não é o único. Iniciativas que possam ajudar na construção das políticas públicas necessárias nessa área, que facilitem a integração dos gestores públicos da saúde e ambientais podem ser promissoras porque atacam as causas e os efeitos das mudanças climáticas de maneira integrada e sustentável, e isso pode ser muito inovador se buscamos promover o manejo adequado das mudanças climáticas e a saúde da população com equidade.
Você tem uma linha de pesquisa sobre os benefícios do contato com a natureza em pontos como saúde mental, reabilitação, prevenção de doenças e promoção da saúde. É possível combinar esses benefícios com inovação?
LL: Sem dúvidas! Tenho visto o campo da biomimética, ciência que estuda as estratégias da natureza para resolver problemas, crescer nas últimas décadas, e essa pode ser uma metodologia inovadora para produzir soluções baseadas na natureza.
Para além dessa possibilidade, eu particularmente sonho com algum dispositivo que possa monitorar o meio ambiente, a biodiversidade e o impacto de áreas naturais (que incluem desde parques urbanos a áreas protegidas) no bem-estar humano e sua relação com mudanças climáticas.
Isso nos permitiria conhecer em profundidade áreas mais atrativas e suas características ambientais, além de descobrirmos como as pessoas se conectam com a natureza e se engajam com a conservação ambiental, uma vez que são elementos cruciais para termos um planeta mais saudável e mais resiliente às mudanças climáticas.