Marcos Olmos, da VOX: “Startups da saúde tendem a ser mais resilientes em momento de baixa liquidez”
07/06/2022Os recordes de investimento em startups alcançados em 2021 ficaram no passado. Hoje, a realidade mudou. O desafiador momento econômico global está fazendo com que fundos de Venture Capital diminuam seus aportes, que era o principal combustível para o crescimento mega-acelerado de empresas de tecnologia.
Agora os empreendedores estão tendo que se acostumar com um momento de menos dinheiro disponível no mercado — menor liquidez, usando o jargão econômico — e readaptar seus planos para conseguir atravessar os próximos meses e anos.
Para Marcos Olmos, sócio e diretor de Venture Capital da gestora VOX Capital, esse é um momento que vai exigir mais disciplina do ecossistema de inovação, com investimentos e gastos mais racionais.
Além disso, Olmos vê uma luz no fim do túnel para as healthtechs neste cenário. “Empresas de impacto, que melhoram e ampliam o acesso a serviços básicos, como as startups da área da saúde, são mais resilientes em momentos como este, porque os problemas que se propuseram a resolver são reais e precisam ser solucionados.”
Na entrevista abaixo, o gestor da VOX Capital avalia o cenário complicado para as startups e como os empreendedores podem se preparar para superar os próximos meses.
ENTREVISTA COM MARCOS OLMOS
ERETZ.BIO: O quão crítico para as startups é este momento de menor liquidez que estamos entrando?
MARCOS OLMOS: O que está acontecendo agora é uma correção de preços, de avaliações das startups que foram feitas de forma quase que agressiva, diante de um cenário de excesso de liquidez. Muitos investimentos estavam mal precificados — para mais. Em um momento de alta, o investidor tende a pagar mais para não ficar de fora das oportunidades. É até psicológico. A indústria da inovação registrou bons resultados, que trouxeram mais liquidez, mas houve a percepção de que esse movimento se sobrepôs à avaliação de resultados, e os múltiplos [avaliação do valor de mercado da startup] foram sendo esticados.
O cenário macroeconômico é de ações da Amazon, por exemplo, caindo 30%, mesmo com um serviço perene como é a AWS. Se o múltiplo da Amazon sai de 15 para cinco, você vai vendo essa correção no mercado. Primeiro na bolsa, depois nas startups mais consolidadas (later stage) até chegar ao early stage. A gente vê algumas reportagens falando em bolha, mas o momento não é tão grave. É mais de uma volta à disciplina. Mesmo neste momento de menor liquidez estamos em um mercado com algumas verticais atraindo mais investimentos que em 2018 ou 2019, na pré-pandemia.
O que levou a este momento de baixa liquidez?
MO: Além da guerra entre Rússia e Ucrânia e da elevação na taxa de juros nos EUA, no Brasil em particular a gente vê um ciclo de aperto monetário, com taxas de juro altas em um ambiente inflacionário. Essas taxas altas fazem com que investimentos de baixo risco, como a renda fixa, deem bastante retorno. Quando a taxa Selic estava em 3%, as pessoas achavam que renda fixa não rendia nada e buscavam alocar parte de seus recursos em investimentos mais arriscados, como em Venture Capital.
Mas em maio de 2022, com a Selic a quase 13% e perspectiva de alta, a mentalidade muda. As pessoas já começam a pensar quanto precisam ter de dinheiro guardado para viver de renda. Aí ficam mais seletivas. Para investir em startups, vão buscar empresas que podem dar uma relação risco/retorno comparável aos quase 13% ao ano da renda fixa. Essa conta vai ficando um pouco cruel para os empreendedores. Nesse cenário, muitas startups de early stage, que buscam investidores-anjo, fundos, family offices, etc. podem sofrer um pouco mais.
Alguns analistas apontam que quem captou em 2021, antes de o aperto chegar, pode enfrentar mais dificuldades agora. Você concorda?
MO: Não é tão simples essa resposta. Com o aumento da liquidez disponível e do número de VCs interessados, os rounds foram ficando cada vez maiores e mais competitivos. Houve um fenômeno de inflação das empresas e também do que era esperado de crescimento da startup entre as rodadas de investimento, o chamado “step-up de valuation”. Em 2021, como tudo estava andando bem, tinha empreendedor que pensava em inflar o valuation, para captar mais e crescer mais rápido. Só que acabava minimizando as dificuldades que existem para se fazer crescer e escalar um negócio.
Neste momento de aperto, teremos step-ups de valuation abaixo dos observados anteriormente, com muita gente buscando extensões de rodada de investimento, bridges ou até mesmo downrounds (quando o valor de mercado da startup diminui, em vez de crescer entre duas rodadas de investimento) que é algo negativo para a jornada da startup na trilha de Venture Capital. No downround, você prejudica os múltiplos de quem já investiu. É um processo potencialmente traumático. Para os empreendedores, a recomendação é não se colocar numa situação de baixa liquidez no futuro próximo. Mesmo neste período pessimista, se o seu caixa durar mais tempo (“runway”, no jargão), você estará com mais alavancagem na hora de negociar o investimento. Agora, se está com pouco runway, você terá sérios problemas.
Qual a alternativa para quem captou, já tinha iniciado o processo de expansão e agora se deparou com este momento de menor liquidez?
MO: Esse pessoal vai precisar moderar o cash burn para atrasar a rodada subsequente. Gente que precisa captar neste momento de buraco de liquidez vai ter rodadas menos interessantes. Antes o plano era a startup estar em constante aceleração. Hoje começa a fazer sentido tirar um pouco o pé, tentar navegar sem precisar captar até algum momento de 2023 e, se as coisas melhorarem antes, acelerar novamente. Tenho um comentário positivo para esse momento. Não é porque a startup vai precisar fazer uma extensão da rodada de investimento que vai matar a empresa. Se a startup tem uma solução considerada megadisruptiva, não é porque a liquidez está pior que a startup vai deixar de gerar valor no futuro. Pode demorar mais para crescer e chegar lá? Pode. Deverá ser consumido menos caixa? Sim. Mas ela poderá sim gerar valor.
Tem saído muitas notícias sobre demissões em startups, até mesmo por essa questão de moderar os gastos. Quais áreas da operação você considera mais sensíveis?
MO: O CAC (Custo de Aquisição de Clientes) vai ser muito mais racional. Tudo o que está relacionado ao CAC é onde vai ter o corte imediato. Não chamo apenas de corte, mas um uso mais racional, por exemplo, da mídia digital, que é uma coisa que precisa de muito dinheiro. Na parte de tecnologia, algumas áreas podem sofrer um pouco mais por causa da alta de salários nos últimos anos. Os salários podem diminuir um pouco, porque vai ter empresas racionalizando, mas o profissional de tecnologia é um tipo de recurso escasso, que, ajustado a um custo adequado, deve sim conseguir se recolocar.
Você considera o early exit (a venda da startup ou até mesmo de uma squad já montada para uma empresa consolidada) como uma alternativa para quem tiver problema para captar neste momento?
MO: Se a coisa está indo para um momento ruim, essa é uma alternativa bem interessante e recomendável. Hoje você tem empresas incumbentes e startups maiores que estão de olho nisso. Se a empresa captou em 2021 já com um plano de aquisições, está bem na foto. Nesse momento, ela consegue ir atrás de tecnologia e fazer aqui-hires interessantes (aquisição de empresas, em especial de tecnologia, motivada mais pela qualidade do time de colaboradores do que pelo negócio em si).
Agora, para quem está em situação desfavorável e com um cenário de potencial quebra, a pior alternativa é fechar a startup e sair com dívidas. A segunda pior é fechar em zero a zero, que ao menos não trará potenciais questões judiciais.
Você já disse que esse é um momento de mais disciplina para o ecossistema. Você acredita que as métricas que os investidores olham nas startups para fazer um aporte podem mudar?
MO: As métricas vão mudar, sim, levando mais em conta receita, rentabilidade, etc. Por exemplo, quando as cabeças pensantes do mercado, como o fundo americano a16z, soltam papers, o mercado observa as métricas que estão falando, que agora apontam para potencial de rentabilidade e otimização de uso de recursos – ao invés de puro crescimento.
Antes, muitos investimentos estavam sendo feitos em outro sentido. A gente vivia uma situação em que havia tanto dinheiro disponível que, se você demorasse uma semana a mais para avaliar mais a fundo uma startup, você perdia a chance de realizar o investimento. O deal era fechado sem você. Na minha opinião, isso não era razoável. A gente pode passar a ter um ecossistema melhor depois dessa temporada de baixa liquidez.
Também considera que é hora de repensarmos os investimentos e levar em conta responsabilidade social e ambiental?
MO: Empresas de impacto, como são diversas empresas da área da saúde, são mais resilientes em momentos como este, porque os problemas que se propuseram a resolver são reais – e não deixam de existir em períodos de crise. O empreendedor em saúde muitas vezes é uma pessoa que veio da área e conhece as dores do mercado que precisam de solução. Outros setores têm mais espaço para soluções cuja inovação é algo “nice to have” [que são muito úteis, mas que existem alternativas para fazer a mesma coisa, mesmo de forma não tão eficiente]. Na saúde, é diferente. Estamos falando, normalmente, de problemas reais que afetam a vida das pessoas. Pensar em impacto social como parte da estratégia da startup, não só como um selo, ajuda a empresa a se manter relevante e passar por momentos como o atual, numa longa jornada de geração de valor e impacto.
*Marcos Olmos é gestor do fundo de investimentos em startups da SBIBAE na VOX Capital